ALP
ASSOCIAÇÃO
LISBONENSE
DE PROPRIETÁRIOS
ARQUITECTO VICTOR REIS – 24.07.2020

O Estado da habitação: o exemplo dos holandeses

O Estado da nossa Nação e o da nossa habitação seriam excelentes, se quem nos governa fosse humilde para compreender os holandeses no papel de formigas, em vez de andarem armados em cigarras!

Tive o privilégio de ler o documento sobre o “Estado da Nação e as Políticas Públicas 2020”, do IPPS-ISCTE, onde imperam as teses de uma certa esquerda que omite factos relevantes, distorce o contexto e, obviamente, coloca o governo e a coligação de esquerda que o apoia em “estado de necessidade desculpante” no que respeita à habitação.

Em primeiro lugar, a questão de só haver 2% de habitações sociais em Portugal, ou seja, 120 mil casas. É verdade que são poucas. Mas cabe perguntar o que sucederia se fossem 20% ou seja 1,2 milhões. A resposta é simples: o problema persistiria, porque reina a mais completa bandalheira, imposta por via legislativa (Lei nº 32/2016), na gestão deste parque de habitação social. Sucedem-se as ocupações ilegais sem que as entidades gestoras do parque (câmara municipais, IPSS, e IHRU) tenham autoridade para controlar a situação, não se atualizam rendas e quando se lhes toca começam as manifestações e a gritaria. Acumula-se uma dívida colossal de rendas que já ultrapassa os 100 milhões de euros, o Bloco e o PCP que aprovaram em 2016 a lei “maravilhosa” que iria resolver todos os problemas, agora sacodem a “lei do capote” e até defendem a sua alteração para acalmar as suas clientelas que persistem em ter casas de borla pagas pelo erário público.

O exemplo mais curioso, é quando referem a Holanda que tem um parque público com finalidade social que corresponde a 30% do existente. Esqueceram-se de referir que em Portugal todas as experiências que pretenderam criar sistemas de empresarialização social da habitação como os que existem naquele país, como foi o caso da Promocasa (Vila Franca de Xira), da NHC em S. João da Talha (Loures) ou até a Cooperativa do Bairro dos Trabalhadores de Azeitão (Setúbal) acabaram falidas, porque por aqui impera o calote, onde, em nome do direito à habitação e à mistura com uns quantos discursos feitos no Parlamento, inventam-se pretextos para não pagarem o que devem.

Em Portugal, andam há vários anos (em Guimarães, em Lisboa, em Almada, na Amadora) a recusar o pagamento das rendas que a lei determina. Vivem em casas construídas com os impostos de todos os portugueses, pagavam rendas de 30, 20 e até de 3 euros e armam-se em vítimas da “lei dos despejos”, assim que são chamados a pagar rendas mais elevadas de acordo com os rendimentos que auferem.

E a nossa esquerda, com o PS à cabeça, assim que percebeu que a sua clientela estava chateada, inventou uma disposição legal para lhes reduzir as dívidas: aprovaram no Parlamento uma norma que faz uma interpretação autêntica da lei, coisa nunca vista, para permitir o que não estava escrito numa lei anterior. Entre a interpretação e a autenticidade, o caro leitor não se preocupe, porque vai pagar com língua de palmo através dos seus impostos aquilo que alguns dos senhores da dita clientela andam a poupar… numa conta rápida, alguns deles ganham para cima de cinco mil euros por ano em rendas que se recusam a pagar, na mais completa impunidade.

Na Holanda, não permitiriam semelhantes malabarismos. Por cá, usamos o exemplo holandês quando precisamos de algumas percentagens para mostrar as nossas misérias, mas assim que é necessário comparar outros indicadores, ouvimos a conversa do re-pu-gnan-te!

Mas o problema não se resume aos 2% de habitação social.

Anunciaram um novo sistema de arrendamento acessível. O nome é suficientemente sonante para que se acredite que vai haver casas mais baratas. Infelizmente, os resultados são miseráveis e entre as 170 mil casas prometidas pelo então Ministro com a pasta da habitação em agosto de 2017 e as pouco mais de duzentas, entretanto angariadas, vai a distância da catástrofe que provocaram no mercado de arrendamento.

Iniciaram a legislatura em 2016 com um ataque cerrado à reforma do arrendamento urbano realizada em 2012. Durante três anos, tudo fizeram para que qualquer proprietário ou investidor se retirasse deste mercado. Agora, por entre ofertas de benefícios fiscais, programas ardilosamente chamados de “renda segura” e milhões de euros dos nossos impostos, rastejam e lambem as botas a qualquer senhorio, para que lhes alimentem as promessas eleitorais com uma qualquer habitação que ajude a mostrar alguns resultados. Afinal, esmagaram a oferta e como estão de mãos a abanar, vão gastar milhões para que nas próximas autárquicas possam apresentar umas casinhas que se esfumarão ao fim de alguns anos.

Esta política nada tem de duradouro. É tão precária quanto os cinco anos que vão durar os arrendamentos das casas propriedade de privados, que agora celebram. Daqui a uns anos, quando fizermos contas, iremos descobrir que o dinheiro gasto teria servido para construir ou adquirir uns milhares de habitações, que integrariam o parque público e fariam subir a tal percentagem de 2% de que tanto se queixam. Mas como há eleições para o ano e andam a brincar aos anúncios há vários anos, é preciso iludir as aparências… custe o que custar!

O que é re-pu-gnan-te, é constatar que andaram durante quatro anos a alimentar a comédia de um Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, sobre o qual já aqui escrevi no Observador. Sabemos agora que gastaram 7,1 milhões de euros e não fizeram uma única casa. Curiosamente, o documento do IPPS-ISCTE é omisso sobre isto.

Na Holanda não há câmaras municipais que, durante mais de 25 anos, assistiram de forma passiva à degradação e à miséria de um bairro como o da Jamaica, no Seixal, enquanto inventavam desculpas para não assumirem o realojamento daquelas famílias e o seu papel de senhorios sociais. Ou contemporizavam com o que decorria nas Terras da Costa ou no Segundo Torrão da Trafaria, em Almada.

Sejamos claros. Enquanto houver câmaras municipais dirigidas pelo PCP na Área Metropolitana de Lisboa, é escusado prometer o fim das barracas. Existe uma relação direta entre o insucesso do Programa Especial de Realojamento iniciado em 1993 e os municípios onde o PCP esteve ou ainda está no poder, pela simples razão que este partido tudo fará para não assumir o papel de promotor de habitação social.

O Estado da nossa Nação e o da nossa habitação seriam excelentes, se quem nos governa fosse humilde para compreender os holandeses no papel de formigas, em vez de andarem armados em cigarras!